O Rio Grande do Sul tem hoje nove usinas autorizadas para produção de biodiesel. O número só é inferior ao Mato Grosso, que tem 17 plantas para fabricar esse biocombustível. Os dados são da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Ainda assim, os gaúchos seguem como maiores produtores de biodiesel do Brasil, tanto em capacidade autorizada, com 30%, quanto em produção efetiva, com 27% do total do País em 2019, contra 21% dos mato-grossenses.
De acordo com a União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), somente no primeiro semestre deste ano, as empresas gaúchas faturaram R$ 2,4 bilhões com a produção de biodiesel. No ano passado, o setor movimentou R$ 4,6 bilhões, informa a Secretaria Estadual da Fazenda.
"O grande desafio é que não consumimos toda essa produção no Estado, precisando enviá-la para o Sudeste. Estamos em um 'corner' do País e isso traz grandes desafios", afirma o presidente do Conselho de Administração da Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio) e da empresa BSBios, o empresário Erasmo Carlos Battistella, gaúcho de Itatiba do Sul. Um dos caminhos para o biodiesel é aumentar a exportação. O mercado potencial é imenso, mas os desafios do setor também são enormes.
A introdução do biodiesel entre os biocombustíveis a serem refinados, comercializados e consumidos trouxe uma janela de oportunidades para os mercados gaúcho e brasileiro, há pouco mais de 10 anos. "Na última década, o biodiesel consolidou sua participação na matriz energética brasileira. O biocombustível comprovou viabilidade técnica e econômica e diversos trabalhos atestaram os seus benefícios ambientais, comparativamente aos combustíveis fósseis", afirma o economista, pesquisador do Departamento de Economia e Estatística (DEE) do governo do Estado e professor da pós-graduação da ESPM Porto Alegre, Rodrigo Daniel Feix.
Um dos grandes desafios, a aceitação e adoção do biodiesel no dia a dia, parece superado, e ver este biocombustível nos postos será mais comum nos próximos anos. O cronograma do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) prevê, desde 1º de março deste ano, o chamado B12, ou seja, a mistura obrigatória de 12% do biodiesel puro (B100), na composição do diesel vendido ao consumidor. Conforme a resolução vigente, o aumento é anual, chegando a 15% (B15) em março de 2023.
Este é um dos principais pontos daquele que é considerado o marco regulatório do setor. De acordo com o Ministério de Minas e Energia, previa-se a demanda de 1 bilhão de litros do biodiesel a mais a serem consumidos neste ano. A estimativa do consumo no País para 2020 era de 6,9 bilhões de litros, ou seja, 17% a mais em 2020.
E o Rio Grande do Sul tem importância estratégica neste mercado: o Estado correspondeu, em 2019, a 27,2% da produção nacional, mantendo-se na liderança do segmento, segundo Feix.
Produção em solo gaúcho começou em 2007
A produção de biocombustível no Estado foi anunciada pelo então governador Germano Rigotto, em 2006, e começou efetivamente em 2007 com a instalação de três empresas: a Oleoplan, em Veranópolis, a BSBios, em Passo Fundo, e a Granol, em Cachoeira do Sul.
Segundo estudo do economista Rodrigo Feix, em 2010 estas três unidades estavam entre as seis maiores produtoras de biodiesel do Brasil, sendo que a Oleoplan era a maior do Estado e a segunda do País. Na época, somadas, elas foram responsáveis por 79% da produção gaúcha.
O Rio Grande do Sul tornou-se líder nacional do biodiesel em 2008, produzindo 306 mil metros cúbicos (m³) naquele ano, número que aumentou para 606 mil m³ em 2010.
Em 2011, a Oleoplan correspondia, sozinha, a 8,2% da demanda do Brasil. No mesmo ano, o então governador Tarso Genro anunciou o plano de implantação da Política Industrial, que incluía os biocombustíveis, entre eles o biodiesel, dentro do escopo de Setores Estratégicos da Nova Economia.
Mais tarde, o segmento ganhou ainda mais atenção e potencial de desenvolvimento. O decreto estadual 50.234, de abril de 2013, colocou o biodiesel gaúcho com condições especiais para atrair mais investimentos.
A lei incluiu a possibilidade de as indústrias do setor obterem o crédito presumido de ICMS, sob determinadas condições, como a matéria-prima para fabricação de grãos, óleos e sementes, ter sido adquirida no Estado. A intenção, bem-sucedida, foi de que os investidores ganhassem possibilidades legais de ter vantagens extras em relação aos demais setores ao apostar no biocombustível.
A produção de biodiesel tem incentivos fiscais do governo, dentro do programa Fundopem. Conforme a Secretaria da Fazenda, o valor utilizado de crédito presumido em 2019 pelo setor foi de R$ 231,2 milhões. "Há vantagens que reforçam a competitividade", resume o diretor de Desenvolvimento Econômico da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Marcelo Zepka Baumgarten.
Citando dados da Junta Comercial, Industrial e Serviços (JucisRS), Baumgarten afirma que há 79 empresas no Rio Grande do Sul ligadas a biocombustíveis. O vice-presidente do Sindicato da Indústria de Biodiesel e Biocombustíveis do Rio Grande do Sul (Sindibio-RS), Guido Barnes, defende a ampliação da concessão de benefícios para que o Estado mantenha o índice de 30% da produção de biodiesel do País. "Os incentivos não correspondem a renúncia fiscal. O biodiesel assegura uma arrecadação substancial, enquanto a exportação do grão de soja e do óleo de soja in natura não gera recolhimento de tributo", compara.
Há uma década, o setor gerava 1,5 mil empregos diretos e 6 mil indiretos, com arrecadação de ICMS estimada em R$ 200 milhões entre 2007 e 2010.
Hoje, segundo a Fazenda, o imposto arrecadado é menor, R$ 130,1 milhões em 2019. Mas a geração de empregos é maior, segundo o pesquisador Pedro Gilberto Cavalcante Filho. Em tese de mestrado na Unicamp apresentada neste ano, ele aponta que a produção de biodiesel via agricultura familiar gera aproximadamente 19 mil vagas de trabalho no Rio Grande do Sul.
Histórico marcado por erros e acertos
No Rio Grande do Sul, os estudos para produção do biodiesel começaram em 1980, inicialmente com o grão da colza, buscando aproveitar a ociosidade de 30% a 40% do parque industrial de esmagamento de soja em parte do ano.
O governo estadual incentivava o plantio da colza, contudo, mais de 100 pessoas morreram na Espanha, supostamente óbitos relacionados ao envenenamento por toxinas contidas nos grãos. O caso foi esclarecido, mas o mercado gaúcho não foi mais o mesmo.
A solução, então, foi redirecionar a produção da colza para a fabricação do biodiesel, por meio de uma parceria com a Petrobras, que se dispôs a comprar o produto e testá-lo no transporte coletivo urbano. Antes do projeto, a indústria do Japão fez uma contraproposta e passou a comprar a produção gaúcha, o que se mostrou atrativo aos produtores, que tinham ágio de mais de US$ 25 do que se pagava pela soja na época. Os agricultores passaram a exportar com bons lucros. E as pesquisas, tanto com a colza, quanto com a mamona e o girassol, que estavam em curso, foram descontinuadas.
Somente em 2003, com o lançamento do Programa Gaúcho do Biodiesel (Probiodiesel-RS), sancionado pelo então governador Germano Rigotto, e coordenado por Cientec, Fepagro e Ufrgs, os projetos foram retomados.
Programa ajuda agricultura familiar
A sede gaúcha da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária aponta que, em 2016, mais de 36 mil famílias de agricultores familiares no Rio Grande do Sul integravam o programa de incentivo ao biodiesel. Em 2005, o governo federal criou o Selo Combustível Social (SCS), para impulsionar a produção das matérias-primas utilizando o biodiesel.
Em 2017, 80% do biodiesel produzido no Brasil tinha o SCS, e, em março deste ano, nove das 40 companhias que o integravam eram gaúchas. A empresa precisa cumprir algumas exigências, como adquirir determinada porcentagem de matéria-prima do agricultor familiar - na Região Sul, não pode ser inferior a 40% -, celebrar contratos especificando renda e prazos compatíveis. Os produtores têm acesso a linhas de crédito e assistência técnica das próprias empresas.
Em 2017, 38 mil famílias gaúchas participavam do SCS, o maior número disparado entre os estados, mas que já foi maior, chegando a mais de 53 mil em 2011. Geralmente, organizam-se em cooperativas, o que facilita o processo 44 das 138 cooperativas habilitadas no programa são gaúchas.
Incentivo ao setor ocorreu nos anos 2000
No Brasil, a história do biodiesel começa nos anos 1930, com estudos realizados pelo Instituto Nacional de Tecnologia, mas só ganharam força em 1975, quando foi criado o Plano de Produção de Óleos Vegetais para Fins Energéticos (Pró-Óleo). Em 1980, ele passou a se chamar Programa Nacional de Óleos Vegetais para Fins Energéticos, cujo objetivo era substituir até 30% do óleo diesel por meio da produção de soja, amendoim, colza e girassol. Contudo, o Proálcool, o alto custo do esmagamento das oleaginosas e da produção em si, bem como a estabilização do preço do barril de petróleo, fizeram com que o projeto original desacelerasse.
Em 1983, houve a primeira patente do produto registrada no País, pelo engenheiro químico cearense Expedito José de Sá Parente (1940-2011), hoje considerado o inventor do biodiesel. Mas o impulso novo ao setor veio no início dos anos 2000, com o marco regulatório deste biocombustível. Em dezembro de 2004, com o Programa Brasileiro de Produção e Uso de Biodiesel, no governo Lula, começou a ser voluntária a mistura de 2% do biodiesel no diesel consumido, que passou para 2% obrigatório em 2008, e 5% obrigatório cinco anos mais tarde.
O programa é até hoje um conjunto de diretrizes de fomento ao biodiesel e aos agricultores familiares. "São 100 mil famílias fornecendo matéria-prima, tendo garantia de comercialização", explica o empresário Erasmo Battistela, da BSBios.
Processamento de soja passa pelo biodiesel
Segundo o economista-chefe da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Daniel Amaral Furlan, o biodiesel proporciona também o crescimento produtivo das matérias-primas, como as próprias oleaginosas e gorduras animais. "O biodiesel aumenta a demanda por estes produtos e fortalece o mercado para os agricultores e pecuaristas. Atualmente, mais da metade do processamento de soja depende diretamente da produção de biodiesel", salienta Furlan.
São 23,2 milhões de um total de 44,5 milhões de toneladas de soja processada destinadas à produção do biocombustível. "O biodiesel é importante e proporciona muita demanda sobre o óleo vegetal, o que permite precificar melhor a soja", comenta o vice-diretor-presidente da Associação dos Produtores de Soja do Estado (Aprosoja-RS), Luis Fernando Marasca Fucks.
A comercialização do biodiesel das usinas diretamente para as distribuidoras é feita por meio de leilões bimestrais organizados pela ANP. Somente no leilão L73, finalizado em 10 de junho, foram arrematados 1,190 milhão de litros de biodiesel para os meses de julho e agosto, conforme informou a agência. Ou seja, considerando a mistura obrigatória de 12%, o volume leiloado possibilita que nestes dois meses, 9,912 milhões de litros de diesel cheguem ao consumidor final.
Este foi o maior volume já comercializado em um leilão do gênero, gerando R$ 4,2 bilhões, a maior movimentação financeira da história deste sistema de comercialização. Para o Rio Grande do Sul, como produtor principal, esta forma de negociação representa vantagens competitivas.
"Nos leilões, o Rio Grande do Sul apresenta os menores preços justamente porque a competição é grande no Estado para complementar o suprimento de biodiesel da região Sudeste, maior consumidora nacional, onde disputa com produtoras locais", informa, em nota a União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio).
Quebra na safra de soja deste ano gera preocupação ao setor
O esmagamento da soja é um processo fundamental, pois é por meio dele que são extraídos os óleos vegetais para fabricação do biocombustível, além do farelo. De acordo com o relatório Acompanhamento da Safra Brasileira de Grãos de junho, desenvolvido pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na safra 2019/2020 a previsão era de o País esmagar 42,8 milhões de toneladas da soja, 600 mil toneladas a menos do que no período anterior de colheita.
No final de 2019, a Abiove informava que, em 2020, seriam esmagados 25 milhões de toneladas de soja para a produção de biodiesel. Não há dados precisos sobre a projeção de esmagamento no Rio Grande do Sul. Segundo a consultoria Safras & Mercado, a boa demanda observada nos leilões ajuda a elevar o esmagamento no País, que já é forte em razão das exportações de proteína animal, e por consequência o volume de farelo produzido. Mas a quebra da safra pode fazer com que os produtores brasileiros se voltem ainda mais para países vizinhos, como o Paraguai, em busca do grão.
Conforme dados da Emater e da Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, apresentados no final de maio, a queda na produção gaúcha, ocasionada em grande maneira pela estiagem, foi de 45,8%, em especial na Metade Sul, passando da expectativa de 19,7 milhões para 10,6 milhões de toneladas. “O desafio é saber se teremos matéria-prima até a próxima safra, que só ocorre em março de 2021”, diz o empresário Erasmo Battistella.
É no Paraguai que Battistella, líder também da ECB Group, sediado em Passo Fundo, busca empreender no momento. Conforme o site da companhia, o presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, concedeu, em janeiro, regime de Zona Franca para o projeto Omega Green, construído pelo grupo e considerada “a primeira planta de biocombustíveis avançados do Hemisfério Sul”. O negócio, de US$ 800 milhões, ficará no distrito portuário e industrial de Villeta, na fronteira com a Argentina e a 45 quilômetros da capital do país, Assunção. A previsão é de injeção de US$ 8 bilhões na economia paraguaia em 10 anos.
O complexo deverá gerar 3 mil empregos diretos durante a construção, que começa neste semestre, e 2,4 mil após a finalização, estimada para daqui a 30 meses. A planta deverá produzir 20 mil barris por dia de diesel renovável (HVO) e querosene de aviação renovável (SPK). Mais de 20 mil famílias de pequenos agricultores devem se beneficiar com o empreendimento. Questionado pelo Jornal do Comércio sobre o projeto no Paraguai, Battistella preferiu não se manifestar
Conforme a União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), a capacidade de produção do biodiesel no País é de 9,8 bilhões de litros, suficiente para atender à demanda de 6,5 a 6,8 bilhões de litros deste ano. Em nota conjunta, o MME e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) dizem também que a oferta brasileira de biodiesel, e por consequência a gaúcha, são capazes de atender a demanda nacional do diesel na proporção de 12%. O Rio Grande do Sul produziu, em 2019, 1,607 milhão de litros do B100, conforme o Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2020 , da ANP.
E em 2020, houve crescimento percentual de produção em todos os meses auferidos até agora, sendo que, em junho, o aumento foi de 9,5%, graças, em grande parte, a este aumento do percentual obrigatório do biocombustível na mistura.
No País, o crescimento foi de 10,3% de 2018 para 2019. Segundo a Ubrabio, o Brasil consumiu, em 2019, 57 bilhões de litros de diesel B, com o Rio Grande do Sul representando 6,3% deste total, ou seja, em torno de 3,6 bilhões de litros. “Pode-se dizer que a indústria gaúcha é competitiva e tem realizado investimentos importantes para preservar essa condição”, afirma o pesquiador Rodrigo Daniel Feix, que, em 2012, escreveu artigo projetando o mercado do biodiesel até 2020.
Exportações no horizonte da indústria
De acordo com o presidente do Conselho de Administração da Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio) e da empresa BSBios, o empresário Erasmo Carlos Battistella, embora haja uma disputa sadia entre Rio Grande do Sul e Mato Grosso quanto à produção, há uma grande barreira na situação atual do Estado.
"Precisamos que haja um crescimento de mercado, mas, mais do que isso, as empresas gaúchas deveriam lutar pela exportação. As demais regiões também estão fazendo investimentos. Elas são mais atrativas, têm incentivos fiscais mais competitivos, além de uma logística mais favorável. Temos a expectativa grande que, um dia, quando tivermos a reforma tributária, possamos ser um País que exporta biodiesel", diz Battistella. Dados do Departamento de Economia e Estatística (DEE) do governo do Estado apontam que, de fato, não há exportações de biodiesel no Rio Grande do Sul desde o segundo trimestre de 2017, pelo menos. Em 2013, elas chegaram a alcançar US$ 32,7 milhões, e no ano seguinte, US$ 22 milhões.
A exportação de soja segue caminho inverso, e já chegou aos US$ 350 milhões em 2020, ainda longe dos US$ 4,9 bilhões em 2019. O grão é o principal item hoje exportado pelo Estado, correspondente a quase um quarto das vendas de produtos gaúchos para o exterior, especialmente para a China, país que mais compra a oleaginosa do Brasil.
Mas, o que explica estas diferenças? A Ubrabio afirma que, "por questões econômicas e tributárias", o biodiesel brasileiro não tem competitividade lá fora. A importação deste biocombustível é atualmente proibida.
Segundo o presidente da entidade, Juan Diego Ferrés, atualmente, pouco mais de 35% da soja recebe agregação de valor, contra 65% de industrialização na safra de 1999.
Por isso, a principal proposta da entidade é a chamada equalização do complexo soja, no qual 3,5% do valor das exportações do grão seriam retidos e revertidos ao agricultor para a produção do farelo, utilizado na alimentação animal, até que as metas de industrialização sejam alcançadas. Quando isto acontecer, o valor retido cai. Na visão da Ubrabio, assim, os empresários poderiam oferecer melhor preço pela oleaginosa, beneficiando também quem a produz.
Pandemia impactou pouco o setor no Brasil
Se, na maioria dos setores, a pandemia da Covid-19 trouxe apreensão e expectativa de recuo nos negócios, na produção do biodiesel o cenário foi ligeiramente diferente, ainda que o impacto mais direto tenha sido mesmo na diminuição da demanda. “Eventuais paralisações pontuais na produção, como forma de incentivo ao distanciamento social, também podem reduzir o ritmo de atividade. Mas a demanda menor pode trazer um impacto mais duradouro, uma vez que a crise diminui a necessidade de transporte”, observa o economista Rodrigo Feix, pesquisador do Departamento de Economia e Estatística do Estado e professor da ESPM.
Os dados demonstram isto. De acordo com o Índice ABCR, medido pela Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias, o fluxo pedagiado de veículos nas estradas caiu 34,2% em maio de 2020 na comparação com o mesmo mês de 2019. Veículos leves tiveram 40,9% a menos de circulação, e pesados, que mais utilizam o diesel, circularam 15% menos. O movimento, porém, dá sinais de leve recuperação. De maio para junho, o aumento total no fluxo foi de 18%.
Em junho (mês ainda não considerado na síntese mensal da ANP até o fechamento desta reportagem), conforme a ABCR, o tráfego total de veículos era 22,1% menor do que no mesmo período do ano passado, quando não havia a pandemia e, por consequência, o isolamento social. Informações da Ubrabio estimam que, neste ano, as vendas do biodiesel no Brasil devem cair dos esperados 6,9 bilhões para 6,5 bilhões de litros, ou seja, 400 milhões de litros a menos. Ainda assim, há alguma recuperação aguardada para o segundo semestre de 2020.
“Do ponto de vista da demanda, estamos com um recuo de 10% do volume, e atualmente, segundo dados da ANP, há uma queda de consumo entre 7% e 10%”, comenta Battistella. Mesmo assim, a produção do biodiesel no Brasil avançou 13,2%, e no Rio Grande do Sul, 11,7%, no primeiro trimestre de 2020, em relação ao mesmo período do ano passado. Em abril e maio, o avanço produtivo alcançou 0,4% no Brasil e 1,7% no Rio Grande do Sul.
Entidade que agrega as usinas produtoras gaúchas, o Sindicato da Indústria de Biodiesel e Biocombustíveis do Rio Grande do Sul (Sindibio-RS) também reforça os impactos da Covid-19. Duas grandes preocupações são ressaltadas: manter a integridade dos funcionários, seguindo protocolos de segurança, e as atividades fabris, garantindo a segurança alimentar, já que o setor também produz o óleo de soja e o farelo. “Tomando todos os cuidados necessários mantivemos o setor funcionando a pleno, apesar das dificuldades”, afirma o vice-presidente do Sindibio-RS, Guido Barnes.
Biodiesel já tem concorrentes no País, como o "diesel verde"
Está em discussão, pela ANP, outro combustível renovável, o diesel verde, ou HVO (sigla em inglês para óleo vegetal hidrotratado), que difere do biodiesel pela sua composição. Ao final do processo de produção, a intenção é que ambos sejam adicionados ao diesel de origem fóssil.
A expectativa é que ele também possa iniciar um processo mais amplo de adoção de combustíveis limpos no mercado nacional, como o bioquerosene de aviação. A consulta para especificação do novo combustível foi retomada em julho pela ANP, com audiência pública marcada para setembro.
Por ora, a eventual adoção do HVO é um fator que agrada a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). "Este produto pode ser produzido a preço competitivo em refinarias de petróleo e reúne todas as qualidades de um biocombustível 100% renovável. Vários testes já foram realizados e os resultados foram bastante positivos. A Anfavea apoia integralmente a inclusão do HVO na matriz energética brasileira", afirma o diretor técnico da entidade, Henry Joseph Jr.
Já sobre o biodiesel, o posicionamento é um pouco diferente. No ano passado, após os primeiros resultados de testes coordenados pelo Ministério de Minas e Energia junto às montadoras e fabricantes de autopeças, a Anfavea chegou a recomendar que não se aumentasse o teor do biodiesel na mistura comercializada ao consumidor. Alegava-se que o B15, por exemplo, poderia trazer danos ambientais e até a aceleração de desgastes mecânicos nos veículos. A Anfavea sugeriu mais testes, o que foi aceito pelo Ministério e pela ANP.
"O biodiesel nos parece ser um combustível ainda em fase de introdução, mesmo a nível internacional", afirma Henry. De acordo com ele, é necessário um acompanhamento mais aprofundado do biocombustível, em questões como avaliação das consequências do seu uso, qualidade e a logística da estocagem e distribuição, para a correção de eventuais problemas. "Certamente, com a evolução das avaliações, eventuais alterações serão necessárias em alguns dos pontos citados", comenta.
De qualquer maneira, no lado das empresas produtoras de óleos vegetais, outra iniciativa recente busca conferir um selo de qualidade ao biodiesel, especialmente para uso veicular.
Quatorze companhias integrantes da Abiove já entregam às distribuidoras o biocombustível com conformidades compatíveis às exigidas pelo Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores, do Ministério do Meio Ambiente. O programa, denominado Bio , e atestado pela associação, começou para valer em maio deste ano.
Pesquisa e inovação como marcas do biocombustível
Um biocombustível forte precisa de pesquisa e inovação constantes. É o pensamento de entidades como a Embrapa Agroenergia, sediada em Brasília e cuja essência, em seu centro de pesquisas, está na produção de soluções desde estudos com a matéria-prima, processos de obtenção de materiais, até a qualidade do biodiesel na mistura com o diesel comum. Este último projeto contou com a participação de instituições como a ANP e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).
“Durante a execução do projeto, a Agroenergia e a Ufrgs participaram ativamente do grupo de trabalho sobre contaminação microbiana em combustíveis, que deu origem à norma ABNT NBR 16732”, afirma a pesquisadora do Laboratório de Química de Biomassa e Biocombustíveis da Embrapa Agroenergia, Itânia Pinheiro Soares. Em novembro de 2019, a Embrapa Agroenergia iniciou um curso online e gratuito, com 20 horas, sobre biodiesel, na plataforma e-Campo e na Escola Nacional de Governo. Até junho deste ano, houve 10.450 inscritos e 2.520 capacitados.
Desde a criação do centro, a entidade tem cerca de 30 projetos desenvolvidos relacionados à cadeia do setor, alguns já concluídos e outros em andamento, e mais de 200 publicações realizadas. “Temos projetos com a palma de óleo, do cultivo ao tratamento de resíduos da cadeia. Com a macaúba, há ações de pesquisas com sistema de produção agrícola, melhoramento genético, processamento do fruto, práticas pós-colheita e aproveitamento dos coprodutos; com a glicerina, está em execução um projeto para obtenção de bioprodutos”, salienta ela.
Frente parlamentar e articulações políticas fortalecem o setor
Ainda em Brasília, as articulações políticas relacionadas ao biocombustível estão fortes. Presidente da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio), fundada em 2011 e composta hoje por 234 parlamentares, entre deputados e senadores, o deputado federal gaúcho Jerônimo Goergen (PP) ressalta que o setor passou a ter grande importância dentro da matriz nacional. “O biodiesel tem vários aspectos, como a geração de empregos, a garantia de agregação de valor, a própria questão energética e ambiental também. Não havia como deixar um setor deste porte solto. Criamos a Frente para articular estas questões no âmbito legislativo”, comenta Goergen.
De acordo com o deputado, há grande potencial para ser explorado em vendas para o Exterior, embora o país esteja, no momento, com as atenções voltadas para o consumo interno. “Temos um grande espaço, e trabalhamos para que a soja brasileira, quanto menos for embora como matéria-prima bruta, melhor. Este é um mercado de exportação muito incipiente, mas é irreversível que o Brasil vai chegar logo nesta situação”, projeta o parlamentar.
“O relacionamento do setor com a área política tem sido a melhor possível e pretendemos que assim se mantenha”, reforça Barnes. Como se vê, ainda há muito a aprender em relação a este mercado que é forte e tende somente a crescer, tanto no Estado, quanto no Brasil. “Precisamos informar a sociedade que o biodiesel se trata de um combustível renovável. A cada safra as matérias-primas se renovam, não é o caso dos combustíveis oriundos do petróleo, cujas reservas vão sendo consumidas e não há reposição”, afirma Barnes.
“Nós temos desenvolvimentos regionais e locais consideráveis em função da cadeia do biodiesel. Ela é antes, agricultor familiar, durante, com o biodiesel, e depois, com o farelo, que está perto de quem vai produzir frango, ovos e leite. A cadeia é um pilar muito importante para o sistema agroindustrial no Rio Grande do Sul. Se não tivéssemos essas usinas do produto, não esmagaríamos soja. E de onde viria o farelo?”, questiona Ruggeri, da Emater. Já Battistella agradece todos os esforços feitos pela indústria, mesmo em tempos de enormes e incertos desafios. “Queria em nome da Aprobio agradecer as indústrias e os colaboradores porque têm feito um trabalho memorável”, encerra ele.
Felipe Faleiro – Jornal do Comércio - 10 ago 2020 - 10:04